Dormir com fantasmas
Por Alice Vieira
Quando os meus netos eram pequenos viviam em Inglaterra, na cidade de Leicester (a mais nova até nasceu lá, o que a deixa muito orgulhosa…).
Um dia a minha neta mais velha tinha uma visita de estudo e eu fui com ela. Uma visita perfeitamente normal, daquelas que a escola fazia quase todas as semanas.
“E se tivéssemos ligado antes, a marcar, até lá podíamos ter dormido”—oiço a minha neta. Arrebito a orelha, de que é que ela estava a falar?, dormido onde? Tanto quanto me lembrava de uma visita feita há tempos a correr, aquela velha casa de Leicester (a mais velha da cidade) podia ser tudo menos hotel, as salas revestidas de uma madeira muito escura e a contarem histórias de tempos muito antigos.
“Podíamos ter dormido num quarto que eles têm lá em cima com fantasmas”—explicou ela, como se aquilo fosse a coisa mais natural da vida
A conversa ficou por aí mas, no dia seguinte lá marchei eu de volta à tal casa, a ver se percebia o que ela tinha dito.
E não é que de repente dou com eles? Com os fantasmas? Quer dizer, com o quarto onde é suposto eles se encontrarem. Uma placa informa, no tom mais sério e burocrático, que aquele minúsculo quarto é povoado de fantasmas. Todas as noites — eles garantem — eles andam ali. E, mediante a marcação prévia — e uma dezena de libras, que isto é mesmo assim, nem os fantasmas gostam de trabalhar de borla — qualquer mortal pode lá passar uma noite em amena cavaqueira com os espíritos.
Mesmo sem fantasmas, o quarto já é suficientemente sinistro: sem janela, nele mal se encaixa uma estreita cama de madeira.
Mas, segundo me informaram, tem uma enorme procura, as folhas de inscrições são sempre muitas. Além de que os fantasmas têm fama de serem muito simpáticos com as pessoas.
Juro e assino por baixo que tudo isto me foi dito sem sequer um vestígio de sorriso nos lábios.
E desde então tenho andado a pensar se nós também não conseguiríamos encontrar por cá uma casa cheia de fantasmas simpáticos e conversadores.
Pensem nisso e depois digam-me.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira